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08 maio 2012

Resenha - Bipolar, memórias de extremos - Terri Cheney

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   Olá leitores, hoje trago um livro que se tornou especial para mim e acho que todos deveriam ter a oportunidade de ler a obra. Foi escrito por Terri Cheney e é sua autobiografia. Ela sofre de transtorno bipolar e narra alguns acontecimentos e consequências dessa doença que atinge grande parte da população.




 " Acho que, se Deus quisesse que eu fosse humilde,
 não me teria feito tão notável" 
Página 65



Classificação:     


Sinopse: Em um momento, Terri Cheney está agachada sob sua mesa em seu escritório em Beverly Hills, paralisada pela depressão; no momento seguinte, está empinando pipas à beira de um penhasco, sob uma violenta tempestade. Em outro momento, ela está tomando uma dose excessiva de analgésicos com tequila, e depois está perdidamente apaixonada. Bonita, extremamente bem-sucedida e brilhante, Cheney – como outros 10 milhões de pessoas, apenas nos Estados Unidos – sofre de transtorno bipolar, um terrível segredo que quase a matou.
A autora revela os efeitos causados por essa devastadora doença sobre si e sobre aqueles que a cercavam. Desde as múltiplas tentativas de suicídio, experiências de quase morte, noites na cadeia e exploração sexual, passando por amizades rompidas e pelo tratamento de eletrochoque, Bipolar é o retrato de uma vida vivida em extremos, uma inesquecível viagem numa montanha-russa.

" Eu não disse a ninguém que estava indo à Santa Fé para me matar. Achei que era mais informação do que as pessoas precisavam saber, além do quê, se alguém tentasse descobrir a verdade poderia interferir em meus planos. As pessoas sempre lhe querem bem, mas elas não entendem que, quando você está seriamente deprimido, a concepção do suicídio pode ser a única coisa que lhe mantém vivo. Basta saber que existe uma saída - mesmo que sangrenta, mesmo que permanente - para tornar a dor quase suportável por mais um dia." Página 11

 Na obra, a autora conta sua história de vida e logo no prefácio já comenta que a viagem na mente de uma pessoa que sofre de transtorno bipolar, não é segura e também não irá partir do ponto A e chegar ao ponto B, mas sim, é totalmente imprevisível. 
 A abordagem de Terri sobre sua doença é realizada em 18 capítulos que não seguem uma ordem cronológica e sim a ordem que ela se lembra dos acontecimentos, pois quanto "olha para trás" não se lembra dos eventos por data ou sequência. 
 A linguagem que ela utiliza é fácil, apresenta alguns termos médicos como nomes de remédios ou fases de sua doença, mas nada que atrapalhe ou deixe a leitura cansativa. Por se tratar de uma autobiografia, o livro é pequeno mas eu adorei a viagem e posso afirmar que foi um aprendizado.   
 Apesar de haver um certo preconceito da sociedade com pessoas que sofrem de doenças psicológicas  - arrisco dizer, que acredito serem essas as mais perigosas porque a pessoa age por impulso e de uma hora para outra, toma decisões (como Terri) de decidir acabar com sua vida. A temática não é de leitura fácil, mas eu aprendi a cada capítulo. A cada linha. Não me arrependo de ter invadido a vida de Terri. Lido e imaginado cada uma de suas crises, cada uma de suas histórias. A leitura é fascinante.  

" Se papai estivesse vivo, nada disso aconteceria, e eu nem teria vindo à Santa Fé. Se ele estivesse vivo... A verdade é que papai não me salvaria de nada disso. Nem das manias, nem da depressão, e muito menos das consequências, porque se recusava a acreditar que eu estivesse doente. " É tudo coisa da sua cabeça", dizia, com certo desprezo e sem nenhum traço de ironia nessa afirmação. Papai não acreditava em psiquiatria, mas sim no esforço individual - do tipo "aprume-se novamente e siga em frente, pelos seus próprios meios". Página 20

 Esse trecho me lembrou bastante do meu pai, ele também não acredita em doenças que podem ter fundo psicológico. Em grande parte do livro, Cheney conta as experiências que viveu com seu pai e sua mãe. O quanto eles foram importantes para ela e como ela se sentiu quando o pai morreu de câncer, o que gerou uma das piores crise que já teve. Não me recordo em que capítulo, mas ela narra quando soube da doença do pai que estava em estado avançado e o médico havia lhe dado alguns meses de vida. Ela não sabia como contar para ele e o médico havia deixado isso para ela fazer. Terri começou a tomar calmantes e mais calmantes, acabou desmaiada e foi internada em um hospital psiquiátrico como paciente suicida.  

" Ao sair da cabine, não sentia mais com medo. Eu era uma advogada, uma advogada maníaco-depressiva e não existe fera mais assustadora na face da terra. " Página 51

 Sua doença não atrapalhava apenas sua vida amorosa e afetiva, mas sim sua vida profissional. Sua faculdade e trabalho. Ela era uma advogada bastante conhecida - já defendeu grandes estúdios musicais e o finado cantor Michael Jackson - mas com esse reconhecimento vinha muita luta, trabalho e estresse. Ela teve que pegar algumas licenças para seu tratamento, pois ao contrário do que se acredita, a pessoa que faz tratamento para transtorno bipolar não pega um remédio e toma ele para o resto da vida e vive feliz para sempre. Com o passar do tempo, o corpo começa a ter tolerância e a acostumar com o remédio e logo sua ação contra a doença é praticamente nula. Entre os vários tratamentos e combates que Terri fez, ela se habilitou a ser paciente de ECT - Terapia Eletroconvulsiva - em 1994, realizou 12 sessões e por um tempo melhorou (até demais, apesar de sentir-se bem, ela não tinha noção das consequências de suas atitudes durante e depois dos choques). Acabou se afastando de sua melhor amiga na época, pois roubou o cara de quem ela gostava. 

"Quem vive do lado saudável da vida não pode imaginar a agonia do silêncio forçado. O desejo de falar fica maior e maior, à medida que seu estado de espírito se transforma, até que finalmente é tão irresistível quanto um espirro numa tempestade de poeira. Isso se torna uma pressão para falar, uma pressão quase insuportável, porque se aquelas palavras não ditas não forem liberadas de algum modo, o silêncio pode explodir em gritos - e gritos não são facilmente ignorados. " Páginas 61/62

Em cada capítulo, Terri nos conduz para uma das consequências de sua doença. Desfechos estes que nunca foram bons. Dou destaque para as diversas internações, tentativas de suicídio, experiências de quase morte e em um caso ela foi estuprada - porém salva pelo estuprador quando tentou se suicidar. Porém a doença não é só perigosa para ela, mas sim para todos que convivem com ela -caso o problema não esteja controlado -.

" Mas aquilo não era o que eu deveria fazer - não agora, não daquele jeito, não tão instável. Pensei sobre o assunto o dia todo. Desde o momento em que acordei, todos os minutos seguintes me tornaram uma massa agitada de volatilidade: deprimida, alegre, raivosa, sensual, briguenta, sedutora, paranóica. Assumi quase doze personalidades diferentes, entre o amanhecer e o entardecer. Não me admiraria que estivesse tão cansada. " Páginas 67/68.

Sua doença tem três estágios, o primeiro é a depressão. Ela ficava cansada  até de levantar. Não tomava banho, não comia e não fazia quase nada por dias. O segundo é a fase maníaca, o estado que ela fica extremamente empolgada e faz as coisas mais loucas que pode fazer (como soltar pipas em uma tempestade, estourar o limite dos cartões, ficar semanas sem comer),porém como ela mesma diz, nessa fase ela é fabulosa e não se preocupa com o que pensam dela. Ao início dessa fase é o momento em que ela mais seduz e é seduzida, ela acha que pode tudo. E o terceiro estágio é aonde as duas fases se misturam e segundo Terri, é a fase de maior risco. Pois quando ela está na fase depressiva, ela tem pensamentos suicidas mas não tem energia para executar; Na fase maníaca ela está com a autoestima lá em cima, então não tem esse tipo de pensamento; Já na fase misturada, ela tem pensamentos suicidas e tem energia para executá-los e é ai que mora o problema. Retirei alguns trechos da obra para exemplificar os estágios da doença de Terri:

"Era tudo o que eu queria ser, na verdade: uma garota de família. E essa garota de família não era maluca. Ela poderia ter suas indiossincrasias, mas, no fundo, era inocente, simples e pura. A vida a tocara de leve, sem deixar muitas cicatrizes. Mas uma instabilidade como aquela, na verdade, precisava ser vista de muito longe, para se passar por indiossincrasia." Página 68

"Estava tudo quieto, tão quieto que podia ouvir o relógio da sala, tão quieto que podia ouvir um débil sussurro de esperança. Nada se torna impossível na escuridão e na quietude. Eu aprendi uma coisa, vivendo com o transtorno bipolar: as coisas não ficam do mesmo jeito por muito tempo. A maior maldição dessa doença é, ao mesmo tempo, sua mais sagrada promessa: você não se sentirá do mesmo jeito para sempre. " Página 68


" Ainda me sinto envergonhada por sofrer de uma doença mental. Talvez sempre fique envergonhada. Mas, agora, mais pelas consequências do que pela doença em si. Acredito nesse diagnóstico, tanto quanto acredito ser uma ruiva de verdade. Apesar dos constantes movimentos do solo, sinto-me agora com os pés no chão" Página 139

Como se não bastasse todas as alterações que o transtorno lhe causava, ele alterava ainda sua alimentação. Em uma passagem, a autora comenta que aos 16 anos começou engordar e não ia para a escola. Seu pai lhe levou para um tratamento em que o guia lhe dava choques e obrigava a comer seu alimento preferido, vomitar e comer o seu próprio vômito. Nessa época ela apelou para a bulimia, mas como era difícil provocar vômito ela alterava seus hábitos alimentares. Passava dias sem comer e quando via que seus ossos começavam a aparecer e lhe dar um aspecto de doente, voltava a comer. 

"Minha identidade estava atrelada a um corpo magro, que era mais do que bonito. Significava disciplina, poder, controle: todos os atributos que eu secretamente sabia que não possuía. Mas o principal era a ilusão de que um corpo saudável seria uma camuflagem essencial, eu precisava dele para esconder a prova de uma mente em mau estado." Página 170

"Comilança e jejum. Comilança e jejum. Comilança e jejum. Eu era duas pessoas distintas: uma que se mostrava em público, mas nunca comia; e aquela que nunca via a luz do dia e só comia.  Cheguei a ter dois guarda roupas diferentes para cada uma das identidades: roupas de grife, em cores brilhantes para a garota magra; batas largas e negras para a gorda." 171

"Faço o possível para evitar todas as superfícies que tenham reflexos - espelhos, vitrines, colheres brilhantes e coisas do gênero. Eu digo a mim mesma, como num mantra, que a beleza genuína é mais do que uma coisa superficial. Mas é impossível sentir-se remotamente bonita quando pessoas estranhas apontam suas falhas. Será que eles acham que eu não sei como estou? Com certeza, eles assumem que estou anoréxica e que não consigo ver o que está à frente de meu próprio nariz. Mas eles não poderiam estar mais enganados"  Página 172

álcool era algo que tinha o poder de lhe transportar para uma crise maníaca e dar a sensação de que ela estava bem. Em suas inúmeras tentativas de suicídio, Terri engolia os remédios com bastante tequila. Uma mistura que pode ser letal. 

" A calma viria também, o abençoado desinteresse. Porque, quando a mania surge, posso achar alguém muito fascinante, mas não dou a mínima para o que possam pensar de mim. Porque já sei que sou fabulosa." Página 189

Como eu já falei, o livro foi um aprendizado. Agora sou mais tolerante com os outros - e comigo mesma. Cada um tem seus problemas e preocupações. A história de Terri é impressionante, assim como sua força de vontade para superar seu problema e expor sua vida para que possa ajudar os portadores de transtorno bipolar e mostrar para a sociedade que a doença não é preto no branco e sim algo que pode mudar a vida da pessoa, seus familiares e pessoas de seu convívio. Eu recomendo a leitura e garanto que quem se propor a viajar pela vida de Terri, não irá se arrepender. 

" A vida não é fácil, mas é bem mais simples hoje. Não tenho mais vontade de empinar pipas durante a tempestade. Nem desejo mais dançar tangos com as ondas do mar durante uma ressaca. Hoje, posso deixar em paz o namorado da minha melhor amiga. Mas eu gostaria de voltar a Santa Fé. Acho melhor, porém, desta vez voltar no verão.
                                                                                    Los Angeles, Califórnia,
                                                                                        18 de abril de 2007 "

Um comentário:

  1. Parabéns pela ótima resenha que fez do livro de Terry, eu simplesmente viajei em tantas experiências que ela passou,mas foi um enorme aprendizado para minha vida, pena eu não ter achado mais livros neste cunho... Abraços!!!

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